terça-feira, 5 de maio de 2015

Doralice Lopes


Inspirado no conto “Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos” do escritor Plínio Marcos, estreou no Recife, depois de quase um ano de ensaios, o Processo –assim chamado pelo grupo - “Sistema 25”, dirigido por José Manoel Sobrinho. Em cena, 25 atores representam a vida de presidiários numa cela superlotada, inclusive por nós, espectadores. 

São quase duas horas e meia de muita agonia, muita reflexão, mas também muita risada. Os atores, que participaram do processo de criação do texto, mostram a realidade dos presidiários de uma forma descontraída, mas sem deixar de abranger os casos mais comuns – e, mesmo assim, polêmicos - que ocorrem nesses lugares: violência sexual, prostituição, tráfico de drogas, chantagens entre os presos e, por outro lado, romances e relações de amizade que podem se criar ali dentro. Cada história ali é única, cada preso tem seus motivos para estar ali, uns por uma causa justa e outros não. 

“Neste processo o espectador pode sair, tomar água, ir ao banheiro do camarim, sentar no chão, deitar-se onde quiser, dormir, mudar de lugar, fotografar sem flash, falar ao zap, falar com os atores, alongar-se, entrar em cena, cantar junto, dizer poemas, não fazer nada, gritar. Tem gente que tem medo.” Foram as indicações recebidas. De fato, os espectadores, dispostos em círculos, estavam livres para se movimentar como quisessem durante a apresentação, alguns até dançaram no momento em que um tango embalou a cena de romance entre dois presidiários. 

A iluminação de Luciana Raposo estava impecável, do começo ao fim fez parte da cena como elemento fundamental para suscitar determinadas sensações ao espectador, além do uso inteligente de adereços alternativos em alguns momentos para iluminar a cena, como isqueiros. Samuel Lira e Thiago Gondim ora assumiam a trilha sonora da cena, ora cumpriram um papel fundamental dando suporte aos personagens que tinham que cantar. 

Interessante notar como nós, espectadores, estivemos o tempo todo ali, presos com os detentos, convivendo com eles, entendendo – ou tentando entender - um pouco da realidade desse tipo de lugar. E mais: presos com os atores, acompanhando trocas de roupa, relação com os adereços de cena, com os outros atores e conosco enquanto não estavam no foco da cena propriamente dita. 

Alguns personagens – é o caso desses personagens - se mostraram mais que outros, o que se pode considerar um problema, visto que determinados assuntos, que poderiam ser melhor explorados, ficaram sem espaço. Mas por entender que o processo de montagem não esteja terminado, o acréscimo de novas cenas, prolongação ou corte das existentes ainda é possível e está sendo experimentado pelo grupo, acredito que encontrarão a melhor solução para essa situação. 

No mais, devo dizer que é provavelmente impossível sair de uma sessão do “Sistema 25” com o mesmo olhar com que entrou acerca do sistema carcerário brasileiro e mundial, como um ambiente onde a relação política é muito determinante não só pelo poder superior em relação aos presidiários, mas na relação entre os próprios presos. E ainda mais, olhar para essa situação de forma crítica e realista, mas em determinado momento enxergar poesia numa relação e noutra, o que foi feito de forma muito consciente e coerente pela equipe.

Artigo para o blog Morpheus Teatro,  que apresenta Reflexão sobre espetáculos teatrais produzida por alunos da Disciplina Teatro no Brasil, oferecida pela Licenciatura em Teatro da UFPE e ministrada pelo Professor Rodrigo Dourado.