sexta-feira, 12 de junho de 2015

Crítica: “Sistema 25″ é um processo de desestabilização

por Mateus Araújo

Vinte e cinco homens presos. Vinte e cinco espectadores cúmplices. Sistema 25, espetáculo dirigido por José Manoel Sobrinho – e em cartaz no Teatro Marco Camarotti, neste mês de junho, desde o dia 6 – é um processo contínuo de criação que se pauta pela experimentação da palavra e do espaço e pela percepção de limites (ou a falta deles) entre cena e plateia. Nesse jogo de tatos, se estabelece um questionamento sobre as culpas, o autoritarismo e a essência canibal que há nas relações humanas – sobretudo aquelas em estado limite – e transportando ao palco, ainda, uma insatisfação com as “regras” do próprio teatro.

Sistema 25 é a segunda parte de um processo de descobertas. Numa cela pequeníssima, homens se digladiam e confessam a si e aos colegas suas histórias e suas angústias – confessam por palavras, gestos e atitudes. Proposto a desestabilizar (a palavra é ratifica inúmeras vezes por ele), o diretor é a instiga de uma criação coletiva. Para ele, o espetáculo é espaço de se perceber e se sentir. Assim sendo, diante da plateia, o ator assume uma figura de provocado e estimulado a trazer figuras de linguagem e expressões que falem do cárcere para além da cadeia. A dramaturgia são retalhos de histórias que se intercruzam. Trinta momentos e quase três horas de espetáculo que não dão resposta ao que provoca, mas aciona paralelos e dúvidas pertinentes.

Na história, estão homens-metáforas de autoritarismo, de um sistema opressor e excludente, de desejos silenciados ou reforçados e encontros e identificações favorecidos pela condição de clausura. Da vingança ao sexo, tudo está em jogo num cubículo onde apenas cabiam oito pessoas, mas sobrevivem 25. O sistema que titula a peça atenta também para outro, mais amplos: o teatral. A determinação de desestabilizar não se resume ao caráter psicológico dos personagens, mas envereda pelo próprio ofício e prática do teatro.

O volumoso elenco destoa nas interpretações. Atores de trajetórias heterogêneas desenham em cena emoções oscilantes. Os mais experientes visivelmente estranham a quebra do palco à italiana e exageram na voz e nos gestos, dão tons acima do que precisaram para convencer a quem está ali tão próximo. Mas há de se destacar interpretações tocantes e emotivas, como a o jovem Marcílio Moraes no papel de uma filha que lamenta a morte do pai presidiário com quem teve uma relação dúbia, e o nonsense Velho Louco vivido por Normando Roberto Santos. Aliás, a figura do velho faz parte de uma série de elementos da dramaturgia que recorrem ao místico – o personagem de caráter profético repete inúmeras vezes, intercalado às cenas, o anúncio de uma morte que estar por vir.

Para além da percepção da dramaturgia, é possível romper a cadeia do provável e ir adiante, na perspectiva estética e da receptividade. Esse arranjado de situações e histórias também coloca-nos, como plateia, em lugar de debate. Tira a percepção estanque de quem apenas o assiste para nos levar ao centro do conflito. A disposição cênica é uma cadeia por si só, com uma estrutura de luz (assinada por Luciana Raposo) que destaca as emoções e os conflitos físicos e psicológicos de maneira intensa. O público senta em cadeiras em meio aos artistas. O centro são a cena, o elenco e o público. Unificados.

No entanto, essa perspectiva é incompleta e fria – uma vez que sentados dentro dessa cela e sendo parte física dessa prisão ainda estejamos sentimentalmente fora dela. Qual caminho seguir? Como chegar ao espectador de maneira que ele chegue ao ator sem que haja força, mas entendimento e identificação? É o estímulo ainda sem resposta. O Sistema segue, na construção e na desestabilização.

*Crítica postada na Coluna Terceiro Ato, do JC Online, em 12 de junho de 2015. http://jconlineblogs.ne10.uol.com.br/terceiroato/2015/06/12/critica-sistema-25-e-um-processo-de-desestabilizacao/

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