segunda-feira, 15 de junho de 2015

Leidson Ferraz

Dormi feliz ontem, pensando no teatro pernambucano. Sábado fui ver “Obsessão” e, no domingo, “Sistema 25”. São dois exemplos, por vias distintas, da resistência da arte cênica pernambucana, ambos produzidos sem qualquer verba do poder público, frutos da coragem dos artistas produtores Simone Figueredo, Ulisses Dornelas, Nilza Lisboa e Silvio Pinto, no primeiro caso, e de José Manoel Sobrinho e Carminha Lins, no segundo. Parcerias felizes com elencos e técnicos.

Até então em cartaz no Teatro Boa Vista, “Obsessão” me surpreendeu pela dramaturgia, repleta de reviravoltas bem ao estilo do carioquíssimo Jô Bilac. Escrita por Carla Faour, com direção de Henrique Tavares, é exemplo deste tipo de espetáculo que pode não agradar a grande parte da classe artística, mas acerta em cheio no gosto do público comum, aquele que quer desopilar das mazelas do dia a dia e rir apenas, rir muito. A trama discorre sobre duas ex-amigas rivais em tudo e, principalmente, na relação com os homens que rondam suas vidas. A montagem é over, sobretudo na interpretação, e claro que vai ganhar em muito quando for para um teatro onde o elenco não precise brigar com o pânico da enorme espacialidade, já que os microfones ajudaram bem pouco. O que mais me impressionou, no todo, foi a opção da atriz e produtora Simone Figueiredo, à frente daquele quarteto, em apostar numa obra que foge dos intelectualismos e quer, sim, ser apreciada pelo espectador com exigências medianas. E isto (bem) produzido com a cara e a coragem, o que resultou na minha simpatia e torcida para que, tanto no Teatro de Santa Isabel (no próximo dia 2 de julho) quanto na temporada no Teatro Eva Herz (em negociação), “Obsessão” dê muito certo. Ainda no elenco, Sílvio Pinto, Nilza Lisboa, Diorgenes Lima e Tarcísio Vieira.
Por sua vez, reunindo 25 intérpretes masculinos (o que por si só já é uma tremenda loucura), o diretor José Manoel Sobrinho provou com o “Sistema 25”, até então com sessões espaçadas no Teatro Marco Camarotti, que o teatro pode ser uma experiência para além do simples assistir uma peça. Pode mexer com nossos conceitos para a vida. Só alguém como ele, após coordenação no saudoso Projeto Nimuendaju, que levou oficinas e espetáculos para a convivência no sistema prisional de Pernambuco, poderia criar uma obra (em escrita coletiva) que me incomodou bastante, inicialmente, por sua “condescendência” a homens em cárcere e suas tantas referências poéticas a “anjos caídos”. Assistindo ao espetáculo, eu pensava na relação que a “sociedade liberta” tem com ladrões, estupradores, assassinos, traficantes, etc., no entanto, “policiei-me” ao, quase ao final da montagem, reconhecer que pode, sim, haver resquícios de humanidade em gente assim, e isto já valeu por rever meus próprios preconceitos.
Nas quase três horas de duração, Zé fez comunicar a convivência que teve com homens naquela situação quase análoga, sem passar a mão sobre seus erros e práticas nada agradáveis para quem está aqui, do lado de fora. Aquele é um outro universo, mas que também clama por um certo entendimento de (sobre)vida e respeito até, por ter gente que o habita. O elenco, claro que com atuações díspares entre o excesso de teatralidade e uma naturalidade que impressiona, entrega-se por inteiro, certamente participando de uma experiência para além do teatral, que assim como a nós, transforma. Meus senões só foram à trilha sonora, em sua grande parte redundante e dispensável, mas me dando o prazer de (re)descobrir algumas vozes muito boas. A montagem vai cumprir temporada no Espaço Experimental em breve, e torço para que ainda seja vista tanto por policiais quanto por presidiários. O debate é preciso. No enorme elenco, Alberto Braynner, Beto Nery, Billé Ares, Breno Fittipaldi, Bruno Britto, Cláudio Siqueira, Eddie Monteiro, Ednaldo Ribeiro, Emanuel David D´Lúcard, Flávio Santos, Geraldo Cosmo, Guto Kelevra, Hypolito Patzdorf, João Neto, Marcílio Moraes, Neemias Dinarte, Nelson Lafayette, Nildo Barbosa, Normando Roberto Santos, Otacílio Júnior, Pedro Dias, Robson Queiroz, Rogério Alves, Samuel Bennaton e Will Cruz.
Bom, conferir “Obsessão” e “Sistema 25” me fez ter a certeza que o teatro pernambucano continua apostando em sua diversidade, tentando dialogar com públicos os mais distintos, e numa clara ousadia de quem o faz, provando que a arte teatral ainda é do COLETIVO em suas múltiplas possibilidades. Parabéns, seus ousados (entre outros que, felizmente, ainda temos)!

 Texto "COM PROPOSTAS BEM DIFERENCIADAS, DOIS ESPETÁCULOS ME CHAMARAM A ATENÇÃO NESTE FINAL DE SEMANA COMO EXEMPLOS DA RESISTÊNCIA DO NOSSO TEATRO", publicado no Facebook.

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